A responsabilidade civil do Estado e do agente público sempre despertou enorme controvérsia no direito, principalmente na área médica. Um paciente atendido em um hospital público que se diz vítima de erro médico deve processar o hospital, o médico ou ambos?
As decisões judiciais sobre o tema sempre foram conflitantes. Inúmeras decisões aceitavam a presença do médico no polo passivo da ação, até mesmo sem a presença do ente público como réu. A jurisprudência de alguns Tribunais Estaduais girava no sentido de que caberia ao autor da ação escolher a quem demandar, embora tal posicionamento na nossa opinião não encontrasse amparo na Constituição.
É que o artigo 37, § 6º da Constituição preconiza o seguinte:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
§ 6º § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Resumindo, se o agente público, no exercício de suas atribuições causar danos a terceiros, é o Estado quem deve responder diretamente, cabendo, posteriormente, ação regressiva se restasse comprovado que houve dolo ou culpa do agente público na realização do ato.
De forma genérica, agentes públicos são todas as pessoas que exercem função pública. Hely Lopes Meirelles, autor de diversas obras jurídicas voltadas ao Direito Administrativo, complementa este conceito afirmando que agentes públicos são pessoas físicas responsáveis, seja de modo definitivo ou transitório, do exercício de alguma função estatal conferido a órgão ou entidade da Administração Pública.
Outra importante fonte que faz referência ao conceito de agentes públicos é a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). Em seu art. 2º está previsto que agente público é “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
Visando solucionar a controvérsia, o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.027.633/SP com publicação em 06 de dezembro de 2019 (repercussão geral tema 940), fixou a seguinte tese:
“A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
A tese fixada foi de extrema importância para uniformização da jurisprudência sobre o tema e terá grandes implicações em ações presentes e futuras. Com a decisão, qualquer agente público que tenha sido acionado diretamente pelo autor da ação deverá ser excluído da demanda, cabendo ao Estado ou à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público responderam à ação diretamente e demandarem o agente em ação regressiva caso sejam condenadas na ação e fique demonstrado a presença de dolo ou culpa por parte do agente.
Cabe ressaltar que a decisão tem aplicabilidade para todo e qualquer agente público, não somente para os profissionais de saúde. Todavia, são os profissionais da saúde que acabam ficando mais suscetíveis de serem demandados judicialmente. Isto porque, nem sempre é possível obter grandes resultados com a precária estrutura da saúde pública (SUS), a dificuldade de compreensão da população sobre a responsabilidade médica e a grande relevância que a saúde tem para toda sociedade, em especial para aqueles que se sentem prejudicados diretamente com a conduta do médico.
Destarte, o médico que tenha sido demandado por atuar no exercício de sua função pública poderá pleitear sua exclusão do polo passivo da lide, devendo responder tão somente o Estado ou empresa privada prestadora de serviço público, sem prejuízo de ser demandado posteriormente em ação regressiva por parte do ente estatal.
Nesse sentido, os advogados devem estar atentos à tese fixada, evitando prejuízos aos clientes caso arrolem indevidamente o agente público no polo passivo da ação, a exemplo da fixação de honorários de sucumbência quando da exclusão do agente do polo passivo da lide.